09 August, 2010

sobre "Eles dançam mal" de Clarice Lima

texto de Denis Carneiro Lobo a partir da tarefa para assistir um espetáculo
espetáculo: Eles dançam Mal
autor/coreógrafo: Clarice Lima
data: 22.07.2010

Fazer uma análise sobre um trabalho artístico dentro de um discurso científico, como me foi proposto, e mais precisamente, dentro do discurso sociológico, que é a minha área de atuação, me pareceu ao mesmo tempo desafiador, pois apresenta-se como uma oportunidade para por em prática o conhecimento adquirido ao longo de minha formação; mas também chocante, no sentido denotativo do termo, pois a confluência desses discursos, que por mais próximos que possam parecer no sentido de suas origens - como mecanismos de produção de territórios existenciais fundamental à formação de subjetividades, atuando no preenchimento da brecha antropológica inerente ao sapien demens - expressam-se e são vistos por formas diversas dentro da constiuição sociocultural ocidental.

Acho necessário ao tocar nesse ponto, incitarmos Foucault e a distinção proposta por ele em História da Sexualidade, volume I, entre Ars Erotica e Scientia Sexualis. Apesar de sua analise ser voltada paras os mecanismos de proliferação do discurso sexual burguês e suas formas de imposição ético-sexual na sociedade moderna ocidental, a distinção expressa bem a ruptura não só gnoseológica entre esses dois tipos de cadeias discursivas, como também a quase cisão ontológica na constituição dessas duas formas de “ser” que constroem  esses dois tipos de linguagens na sociedade ocidental contemporânea.

Com isso, para tal proeza, poderia partir de diversos prismas dentro das ciencias sociais para essa discussão, desde uma análise pragmática e semiológica da arte, que já esteve muito em voga no discurso sociológico em meados dos anos 80 do século XX, apesar de exaustivamente criticada - a filosofia Pragmática - desde os Frankfurtianos (a partir de 1945) como Horkheimer, Adorno, Habermas, se mostrando, portanto, insuficiente no ponto de vista critico dentro de um discurso analítico. Ou por uma ótica do materialismo histórico -dialético, como fez Bourdieu, Bakthin e outros marxistas e marxinianos. Ou ainda, por um viés existencial-cognitivista como fez Foucault, Deleuze e outros considerados pós-estruturalistas. Porém, contaminado pela minha linha de pesquisa, e por meus interesses pessoais, decidi partir de uma matriz que, apesar de contrária e crítica ferrenha do pragmatismo, se apoia numa visão mais pluralista das semiologias fomentadas cotidianamente dentro de um socius que se constrói material-histórico-dialéticamente produzindo Territórios existencias capazes de significar e de serem significados por subjetividades. Um viés pós-moderno, pluralista, hipercomplexo e interessado na discussão entre os diversos tipos de saber para a constituição de uma teoria que realmente aborde toda a amplitude e magnitude da existência humana e sua relação com seu ECO, seu habitat, o meio ambiente, além das relações de poder que permeiam e conduzem esses seres, seja alienadamente ou guiados pelo falido inconsciente freudiano. Para isso, tentarei uma analise ético-estética do trabalho “Elas Dançam Mal”, de Clarice Lima, aos moldes da analise feita por Felix Guattari em seu trabalho intitulado “Caosmose - Um novo paradigma estético”.

Partindo da premissa de que a arte, assim como a religião, a ciência, a política, a técnica e todas as suas consequências - como o desenvolvimento tecnológico, o enaltecimento da publicidade e do mass-midia, a revolução da informática - enfim, se processam como cadeias discursivas capazes de atuarem como mecanismos de produção de subjetividades, recebi o trabalho supracitado, a principio como uma sinestesia de sentidos (significados) expressadas corpórea, palática, imagética e virtualisticamente aos receptores-ativistas (que aqui é como denomino o público, que por instancias do trabalho, é convidado insistentemente a interagir com o artista, modificando o tempo todo o processo artistico apresentado) - sendo preciso ser ressaltado a Interatividade como sendo uma das formas de sociabilidade no pós-revolução informacional e midiática em curso no sistema ocidental. Sinestesia essa, expressa também na antropofagia representada na confluência de uma estética intelectualizada (como o trabalho artístico pensado como “pesquisa” corporal), e elementos tidos como sendo partes do universo do “Senso Comum”, geralmente pensados como sendo opostos num discurso científico, sendo já, desde há muito tempo, entendido como necessário dentro do pensar artístico. Isso é claramente expresso não só na escolha das músicas do espetáculo, como na temática central - o sentimentalismo, que chega a ser piegas, dominando o cotidiano do ser.

O senso comum aparece portanto, como base e propulsor do trabalho artístico, nos sendo importante, nessa parte, atentarmos para um significado de CULTURA que leve em conta elementos (do senso comum e/ou intelectualizados) significados espaço-temporalmente por subjetividades dentro de um SOCIUS, funcionando, portanto, como mecanismo de produção de territórios Existenciais, que por sua vez, atuam na produção dessas subjetividades, sendo portanto, uma relação dialética de constituição. Só pelo fato de trabalhar com Sentimentos para significar expressividades, fugindo do racionalismo  progressista e intelectualista que domina não só a ciências, como algumas correntes do pensar artístico contemporâneo, vejo nessa discussão apresentada por ela entre senso comum e estética-artistica-intelectualizada, uma possibilidade de quebra com a postura tanto artistico quanto cientifica de guetificar, de esteriotipar tipos de artes e locais e publicos específicos para esses tipos. Só o fato de o espetáculo ser apresentado fora do “Centro das Artes Paulista” (circuito Consolação-Cerqueira Cezar-Centro Antigo) - contando com um público que dificilmente se deslocaria até esse centro para apreciar o trabalho, já se apresenta numa forma de constituição e de significação desses territórios existencias já citados anteriormente, sendo fundamentais no desenvolvimento de produções náo-maquinicas de subjetividades voltadas apenas à manutenção das relações capitalísticas as quais somos submetidos.


Denis Carneiro Lobo
estudante de ciências sociais na PUC, São Paulo